Moradores do entorno de igrejas em várias regiões são levados a mudar a rotina para evitar os incômodos da poluição sonora
"Não consigo conversar, dormir ou assistir televisão dentro da minha própria casa." O desabafo é voz corrente entre vizinhos de templos religiosos em várias regiões da cidade. Se o intuito destes estabelecimentos é o de trazer paz e conforto para os seus frequentadores, o mesmo não se pode dizer de quem vive no entorno de alguns deles. Enquanto a maioria sofre calada, alguns tentam se mobilizar, denunciando os transtornos à Prefeitura e à Polícia Militar. Pregações exaltadas ao microfone, por vezes acompanhadas de bandas ao vivo, tiram a paciência das pessoas que se sentem lesadas, as quais se veem obrigadas a mudar a rotina para tentar minimizar os impactos.
Embora sejam igrejas, estes estabelecimentos devem obedecer aos limites de intensidade sonora previstas no Código de Posturas do Município. Conforme a chefe do Departamento de Fiscalização da Secretaria de Atividades Urbanas (SAU), Graciela Vergara Marques, os templos religiosos só diferem dos demais em relação ao alvará de localização, por não ser obrigatório, de acordo com a legislação federal. Ela explica que o limite atualmente tolerado é de 70 decibéis até 22h, não podendo superar os 60 decibéis depois deste horário. Para se ter um termo de comparação, um liquidificador ligado emite, em média, 85 decibéis, e a buzina de um carro, 110 decibéis.
Para o professor titular de neurociência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em sono e ruído, Fernando Pimentel de Souza, a exposição à poluição sonora aumenta o estresse e dificulta a concentração das pessoas, diminuindo a produtividade e aumentando o número de erros. O engenheiro civil e diretor do Centro de Engenharia da Faculdade Doctum, Jordan Souza, lembra ainda que o nível de ruído ouvido dentro e fora do estabelecimento tem uma diferença considerável. "Se a vizinhança se sente prejudicada, imagine quem está dentro? O efeito é muito mais intenso. O problema é que esta é uma questão polêmica, porque esbarra na fé de cada um", explicou Jordan que, em 2011, foi coautor de um estudo sobre a poluição sonora na região central de Juiz de Fora.
Abaixo-assinado
Atualmente um dos casos acompanhados pela SAU é o de uma igreja evangélica no Morro da Glória, região central. Para pedir providências, a comunidade do entorno fez um abaixo-assinado com mais de cem nomes. "Eles exageram muito no barulho. A igreja é pequena, mas mesmo assim colocam bateria, guitarra e ficam todos gritando e assobiando. Mas não é só isso, porque os fiéis, quando chegam ou saem, fazem uma verdadeira baderna na rua. Já conversamos com o pastor, mas nem assim resolveu. Por isso resolvemos fazer o abaixo-assinado e registrar boletim de ocorrência (no fim do ano passado)", contou uma das moradoras do entorno.
Conforme a assessoria de comunicação da SAU, o templo religioso foi notificado no mês de fevereiro. Os fiscais de postura já foram ao local três vezes para aferir separadamente a intensidade do som da igreja e de dois bares do entorno, para definir qual é a fonte propagadora do ruído. A fiscalização deve entregar um relatório sobre a situação do local até o fim deste mês.
Poucas reclamações
De acordo com Graciela, apesar do problema, poucas reclamações são registradas na secretaria. Foram 25 no ano passado e sete até agora neste ano. Os casos mais recentes ocorreram em igrejas das regiões Leste, Norte e central. Dados da Polícia Militar mostram que a quantidade de ocorrências que chega ao conhecimento da corporação é ainda mais inexpressiva, sendo 16 registros em todo o ano de 2013 e 17 em 2012. Este ano ainda não houve reclamações.
Atividades prejudicadas no fim de semana
No Marumbi, Zona Leste, uma fonoaudióloga, 34 anos, reclama da intensidade sonora durante os cultos evangélicos, todas as quartas e sextas-feiras, das 19h30 às 21h30, e aos domingos, entre 9h e 10h30. "Incomoda bastante, o suficiente para me impedir de assistir televisão. Dormir até tarde aos domingos, eu nem me lembro como é. Estou aqui há três meses e sofro muito com isso", reclamou. Já a estudante universitária Angélica Miranda, 22, moradora do Santa Terezinha, Zona Nordeste, lamenta não conseguir descansar ou estudar nos fins de semana em razão dos cultos e ensaios da banda. "O problema é que estas atividades começam bem cedo e se estendem por todo o dia. Já tentamos conversar com eles, mas não adiantou."No Bairro Cerâmica, Zona Norte, uma moradora, 27, convive com uma situação extrema. O apartamento adquirido por ela e o marido, há cerca de um ano, está entre duas igrejas evangélicas. Segundo ela, nos fins de semana, sobretudo aos domingos, é impossível ficar dentro do imóvel sem ouvir os cultos, mesmo fechando as janelas. "O pior é no intervalo entre 19h e 21h. Na medida do possível, evitamos ficar em casa neste horário. O fato é que ambas as igrejas são pequenas, e não justifica a intensidade sonora utilizada."
De acordo com o pastor Luiz Cláudio Gamonal, diretor executivo do Conselho dos Pastores de Juiz de Fora (Conpas), os religiosos buscam o diálogo para resolver os impasses com a vizinhança, em um trabalho considerado de parceria com a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU). "Fazemos a interlocução. Quando alguma igreja é notificada, conversamos com o pastor, e ele procura o reclamante para buscar um entendimento. O que temos mesmo, comprovadamente, são raros casos que foram configurados como crime ambiental."
Outro fato citado pelo religioso é o de pastores se sentirem incomodados por não terem liberdade para culto religioso. "A lei exige os 60 decibéis, mas em alguns lugares fica complicado porque, na liturgia da igreja evangélica, há uma série de trabalhos que inclui bandas, por exemplo. Mas quando há exageros buscamos nos adequar, inclusive com a compra de equipamentos para evitar a propagação do som."
Alto-falante
No Bairro Nossa Senhora Aparecida, Zona Leste, o problema é o alto-falante da igreja católica. Segundo o fotógrafo Antônio Jorge Costa, 49 anos, todos os dias, às 18h, uma música alta começa a tocar, prolongando-se por cerca de 15 minutos. "São três caixas de som viradas para a minha rua. Moro aqui desde que nasci e convivo com este problema há cerca de dois anos, quando os equipamentos foram instalados. Em dias de festas ou em comemoração a algum santo, é ainda pior. Não consigo descansar dentro da minha casa", lamentou. Conforme a chefe do departamento de Fiscalização da Secretaria de Atividades Urbanas (SAU), Graciela Vergara Marques, apenas o toque de sinos é autorizado, como prevê o Código de Posturas.
De acordo com o vigário geral da Arquidiocese de Juiz de Fora, monsenhor Luiz Carlos de Paula, nenhuma reclamação chegou ao conhecimento da igreja, que está à disposição para dialogar com intuito de resolver qualquer impasse. "Procuramos sempre colocar o som da igreja dentro dos horários permitidos e respeitando o momento do silêncio. Neste caso, o certo é que representantes da comunidade procurem o pároco para conversar e chegar a um consenso. Nosso barulho gerado nunca é alto, porque a igreja não é clube. Às vezes, ouvimos pelas ruas carros com som em uma altura mais elevada do que aquela utilizada na igreja."
Sono é essencial para o aprendizado
O barulho que excede os limites considerados saudáveis prejudica a saúde como um todo. O alerta é do especialista em sono e ruído Fernando Pimentel de Souza. "Pior ainda é este ruído ocorrer no período noturno, no momento que antecede o sono. É importante deixar claro que dormir bem não é um luxo, mas uma necessidade. É através dele que recuperamos nosso corpo físico, mental e psicológico. Além disso, uma boa noite de sono é essencial para absorvermos o aprendizado que tivemos ao longo do dia, porque é neste momento que há a consolidação da memória. Se a pessoa não sonha, ela não aprende direito, e a memória se torna falha, tanto para adultos como para crianças em fase de alfabetização."Outro fator citado pelo especialista é a exposição dos fiéis das igrejas no interior dos templos religiosos, pois os ruídos causam problemas em longo prazo. "A verdade é que muitas pessoas, neste mundo moderno e competitivo, estão em estado de depressão. E, quando ficam expostas aos ruídos, elas ficam estressadas e liberam adrenalina no corpo. Durante os cultos, esta substância funciona como um ativador cerebral, tirando a pessoa momentaneamente da depressão, dando a impressão de bem-estar. O problema é que esta situação, por muitos anos, pode até causar um infarto, pois aumenta os batimentos cardíacos, além de mascarar os sintomas da doença."
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